Portador de paralisia cerebral tem direito a benefício de prestação continuada (BPC – LOAS)

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Em aplicação às normas constitucionais e infraconstitucionais, o poder judiciário vem reconhecendo o direito dos portadores de paralisia cerebral ao recebimento do BPC – benefício de prestação continuada previsto no art. 20 e seguintes da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) – ainda que superado o teto previsto em lei, desde que comprovada a necessidade.

A Constituição Federal assegura em seu art. 203, V, o pagamento de um salário mínimo ao portador de deficiência ou idoso que não possa arcar com o próprio sustento nem conta com a família para tanto. O faz em nome da solidariedade social e do dever do Estado e da coletividade para com a dignidade da pessoa humana.

A disposição constitucional é regulamentada pela LOAS, que institui e regulamenta o BPC através do seguinte dispositivo:

Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

Os parágrafos deste dispositivo trazem ainda algumas outras definições e requisitos importantes.

Em seu parágrafo 2º, define pessoa com deficiência “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. Adequa-se perfeitamente, portanto, à condição da pessoa portadora de paralisia cerebral – condição permanente que impacta o desenvolvimento motor e cognitivo do sujeito, limitando o desempenho de atividades cotidianas[1].

Os parágrafos 1º e 3º, por sua vez, trazem uma limitação à renda como requisito do recebimento do benefício. Em seus termos, só terá direito ao recebimento do BPC o sujeito cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo (atualmente equivalente a R$ 1.045,00), sabendo que família, para a lei, são os parentes que vivam sob o mesmo teto.

Ocorre que este parâmetro estabelecido pela lei configura uma presunção de capacidade de sustento que pode ser superada. Explico: o sujeito portador de uma deficiência como a paralisia cerebral pode ter (e em geral tem) gastos altos com tratamentos médicos, planos de saúde, medicamentos, etc, além de normalmente depender de atenção em tempo integral de algum membro da família, que deixa de trabalhar para atender a esta necessidade. Deste modo, mesmo que a renda familiar seja superior ao estabelecido na lei, pode ser comprovada a necessidade de recebimento do benefício.

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Este foi o entendimento do STJ na decisão do tema repetitivo 185, que teve por leading case o REsp nº 1.112.557/MG assim ementado:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

  1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
  2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
  3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
  4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
  5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
  6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
  7. Recurso Especial provido.

(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)

Também o STF, alterando entendimento anterior, já decidiu de forma similar, pela possibilidade de adoção de outros critérios para além da renda per capita para determinação da miserabilidade que justifique o pagamento do BPC.

Este entendimento vem sendo seguido em todo o país, inclusive no TRF-1, tribunal a que se submete a Bahia:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. INCAPACIDADE DEMONSTRADA. MISERABILIDADE CONSTATADA. RECURSO PROVIDO. 1. Insurge-se a parte autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de benefício assistencial. 2. O art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93 explicita os requisitos para a concessão do benefício de amparo ao deficiente (deficiência e miserabilidade). 3. Acerca do requisito da deficiência, entende-se como deficiente para fins de concessão do benefício aquela pessoa “que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas”. 4. No presente caso, o laudo médico pericial atestou que a parte autora é portadora de sequela de paralisia cerebral, tendo o médico perito concluído pela existência de incapacidade total e permanente para o exercício de suas atividades habituais (fls. 40-41). 5. No que tange ao segundo requisito, o STF, nos RREE n. 580.963/PR e 567.985/MT, julgados sob a sistemática da repercussão geral, declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do parágrafo único, do art. 34, da Lei n. 10.741/03 e do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93, respectivamente, autorizando a concessão do benefício assistencial fora dos parâmetros objetivos fixados pelos citados dispositivos. Impõe-se, portanto, a partir desse novel entendimento, a análise das especificidades do caso concreto à luz da razoabilidade e da isonomia para fins de aferição do estado de miserabilidade. […] 10. Recurso provido para julgar procedente o pedido inicial, concedendo o benefício assistencial – LOAS desde a DER (09/03/2016), e DIP no 1º dia do mês seguinte à intimação do INSS acerca deste acórdão. À vista do que restou decidido pelo STF no RE 870.947, os juros de mora devem ser fixados com base nos índices da caderneta de poupança, a partir de 06.2009 e a correção monetária do crédito autoral deverá se dar pelo IPCA-E. 11. Tratando-se a prestação pleiteada de natureza alimentar, nos termos dos arts. 4º da Lei nº 10.259/01 c/c 297 do NCPC CONCEDE-SE, EX OFFICIO, MEDIDA CAUTELAR para que a recorrida, no prazo de 60 (sessenta) dias, cumpra a obrigação de fazer (implantação do benefício), sob pena de aplicação de multa diária no valor de R$ 100,00 (cem reais), até o limite de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser revertida ao recorrente. 12. Sem custas ou honorários por se tratar de recorrente vencedor.

(AGREXT 0003341-41.2016.4.01.3902, ILAN PRESSER, TRF1 – PRIMEIRA TURMA RECURSAL – PA/AP, Diário Eletrônico Publicação 22/02/2018.)

É dizer, ao passo em que aquele limite legal obriga o INSS ao pagamento do benefício ao portador de deficiência, nada impede que seja judicialmente provado que o sujeito que goza de renda superior ao teto seja também beneficiário do benefício assistencial, quando provar necessário.

Destaca-se, por fim, que o BPC não pode ser cumulado com outros benefícios previdenciários ou assistenciais, exceto os de assistência médica ou de natureza indenizatória. Não há, contudo, nenhum impedimento para que membros da mesma família recebam o benefício, nem é relevante o fato de o sujeito estar ou ter sido acolhido em instituição de longa permanência.

Neste sentido, o portador de paralisia cerebral poderá buscar o INSS pleiteando o recebimento de benefício assistencial de um salário mínimo sempre que sua família não puder arcar com seu sustento.

A negativa do INSS ao fundamento de que foi superado o teto estabelecido pela LOAS será considerada ilegal e poderá ser revertida junto ao judiciário.

Você sabia que o portador do autismo também tem direito ao BPC? Leia aqui.

[1] Cf. https://bvsms.saude.gov.br/dicas-em-saude/3122-paralisia-cerebral

Artigo escrito por Letícia Pinheiro Soares, revisto por Luciana Afonso Silva Azevedo. 

 

About Author: Luciana Azevedo Lu

lucianafonso@hotmail.com

Advogada formada pela Faculdade Baiana de Direito. Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela UCAM.